INCERTEZA É A ÚNICA CERTEZA

Se pudéssemos fincar um ponto de partida na história da humanidade para entender melhor o mundo em que vivemos e (por que não?), ansiar, pelo menos, não ficar tão surpresos com o que está por vir, talvez a melhor escolha seja a Revolução Industrial, gerida e desenvolvida pelo Reino Unido entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX. Para se ater aos propósitos e aos limites deste artigo, basta dizer que a transição dos métodos de produção artesanal para os processos que culminaram com a produtividade em alta escala, por meio de inovações em áreas como energia, máquinas e ferramentas, proporcionou um crescimento sustentado de renda e crescente conforto à parcelas cada vez mais representativas da população, além de acelerar substancialmente a espiral do comércio global. Arrisco a dizer que, ao lado da massificação do uso para fins industriais e residenciais da eletricidade no final do século XIX, os dois avanços foram, de longe, os mais importantes da história da humanidade. E serviram para pavimentar e viabilizar a era da globalização, da informação e do conhecimento em que testemunhamos atualmente. O próprio sistema capitalista moderno, inclusive, deve grande parte de sua origem àquele ambiente efervescente. E, por mais que, em tom irônico, Churchill tenha afirmado que “O Capitalismo é pior dos sistemas econômicos, exceto todos os outros”, não há dúvidas de que o melhor caminho é sempre aperfeiçoá-lo, e não eliminá-lo. Os seus efeitos colaterais (para não dizer, perversos) como a desigualdade, a corrupção, a inversão de valores, a ambição desmedida, entre outros, são aqui devidamente lembrados, mas mereceriam espaços dedicados. Retomando, o fato é que todos esses importantes avanços desaguam, a partir da segunda metade do século XX – tal qual um sinuoso, longo e calmo riacho encontrando um caldeirão de gigantescas e torrentes de águas violentas – em um processo tão dinâmico, veloz e complexo, que não há termos de comparação nem precedentes na história da humanidade. As cartas foram tiradas da mesa. Começou um novo jogo. Um jogo onde o poder é mais nivelado. Um jogo onde há novos atores de relevância global. Não me refiro somente à China, Índia, Rússia e Brasil. Incluem-se África do Sul, México, Indonésia, Coréia do Sul, Turquia, entre outros. E por mais contraditório e paradoxo que seja (e o é), o mundo vem ignorando cada vez mais as fronteiras nacionais. Mas quem disse que o mundo é coerente e tem sentido?

Voltando ao jogo: um mundo onde há menos lealdade dos consumidores às marcas, aos políticos e até mesmo às crenças. Um mundo onde, com o advento da Internet, há muito mais opções para se expressar, sem dependência de patrocínios ou intermediários. Direto. Basta vontade e disposição. Um mundo onde as relações estão ficando mais virtuais, independentemente do julgamento que se faça disso. Argumentos prós e contras sempre hão de existir, mas é fato. Um mundo onde paradigmas são constantemente quebrados e novos modelos surgem para substituí-los. Um mundo onde o pequeno pode vencer o grande. Um mundo onde o Google vira verbo e nos socorre para organizar, minimamente que seja, a enchente de dados que circulam na rede. Um mundo onde, no passado, o rádio demorava treze anos para alcançar uma audiência de cinquenta milhões de pessoas. O Facebook demorou dois. O idioma inglês tem, atualmente, cinco vezes mais palavras e expressões do que o da época de Shakespeare. São mais de quinhentos milhões de endereços de sites e blogs na internet, mais de três vezes superior do que em 2007. Apenas seis anos! E o aprendizado vem perdendo validade numa proporção assustadora. Estudo, para o ajuizado, não tem fim. Um mundo, enfim, onde o seu pleno entendimento esteja acima da nossa capacidade de compreensão. Numa brincadeira quase infantil de “mais ou menos” com o mundo, tentando (inutilmente, eu já sei!) rotulá-lo, poderíamos começar com o primeiro: mais homogêneo, mais confortável, mais poluído, mais intangível, mais acessível, mais democrático, mais chinês, mais culto, mais tecnológico, mais longevo, mais minorias, mais corrupto, mais instável, mais rápido, mais feliz. No segundo, arriscaríamos: menos previsível, menos fronteiras, menos estático, menos controlável, menos paciente, menos fiel, menos americano, menos recursos, menos coerente, menos feliz. Talvez o ideal fosse mesmo retirar os advérbios e batizar o planeta azul de, simplesmente, complexo. Ou, clamando para um sentimento menor de culpa, poderíamos nos apoiar em um renomado economista brasileiro ou em um atribulado poeta alemão. Do brasileiro André Lara Resende: “A verdadeira reflexão jamais será capaz de nos dar uma certeza”. Do alemão Henry Charles Bukowski: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.” Mas, diante dessa impossibilidade, podemos, ao menos, exercitar alguns ensaios para futuros pensamentos e discussões. Grosseiramente, e somente para efeito de provocações, vamos combinar de “passado” a era pré- internet. Assim, no passado, tínhamos um mundo com acesso mais difícil às informações, a velocidade das mudanças era mais lenta, havia pouca interação entre instituições e público, havia menos ofertas de marcas, as profissões eram mais bem delimitadas e conhecidas, os mercados eram mais regionalizados, as pessoas tinham menos oportunidades para se expressar, as relações eram menos duráveis e leais, o tangível era o mais importante, o discurso corporativo era quase monotemático (lucro), segregar ao invés de agregar, adjetivo ao invés de substantivo, marketing ao invés de branding. Para imaginar o hoje e tentar vislumbrar o que seria mais prudente nos concentrar no futuro, talvez tivéssemos que inverter essas últimas linhas. As novas tecnologias de informação e a profusão dos gadgets aceleraram, de forma alucinante, o acesso às informações, interatividade e opiniões entre as pessoas. Os consumidores ganharam poder! Ponto interessante também é o surgimento de novas profissões e o completo desaparecimento de outras. Resultados, como já sabemos, de toda a transformação tecnológica e inovadora iniciada no século XVIII e turbinada no final do século XX, com a popularização da Internet. São novas funções ou mesmo novas roupagens sobre as antigas que possibilitaram o aparecimento de Engenheiros Ambientais, Analista de SEO, Detetives Virtuais ou Diretores de Branding. Mas, atualmente, o prazo de validade do conhecimento e das ocupações é incerto. Pode ser desconfortável para alguns, mas é uma característica dos nossos tempos. A incerteza é a única certeza! E ressalta-se, à tempo, fenômeno recente que desafia os gestores educacionais: A Sociedade está andando à frente da Academia. A verdade é que as universidades, e a maioria das empresas, não estão preparadas para resolver grandes e urgentes problemas da humanidade, causando extrema insegurança. Segundo o Nobel de Química, o falecido Alan MacDiarmid, os grandes desafios se concentrarão em dez tópicos: Energia, Água, Meio-Ambiente, Pobreza, População, Doenças, Democracia, Educação, Terrorismo e Alimentos. Como as universidades (e seus cientistas) estão se preparando para eles? E as empresas e as suas marcas? Quais contribuições essas instituições poderiam oferecer à sociedade? Não menos importante é o desafio para a sociedade compreender o ser humano como um ser híbrido de razão e emoção. Quem nos alertou e iniciou a sua pregação foi o filósofo Rudolf Steiner, fundador da teoria da Antroposofia. Neste pequeno espaço, é útil revisar rapidamente os períodos em que os nossos antepassados lideraram ou foram vítimas das tentativas infrutíferas de separação entre a razão e a emoção. Em linhas gerais, durante mil anos, na chamada “Antiguidade”, teve em Platão e em Aristóteles os seus maiores expoentes. Nitidamente predominou a razão, por meio da supremacia da Física e da Matemática sobre as demais ciências. Na Idade Média, a emoção virou o jogo com o fortalecimento da religião e das artes. São os tempos da Inquisição e a da influência marcante no Estado pela Igreja. Não que não existam exemplos e movimentos que contradizem essas premissas (Iluminismo no século XVIII é um deles), mas estamos falando aqui do incômodo de vários setores da sociedade, ao longo da história, no sentido de aceitar e da conviver em paz com ambas as correntes. Essa era a luta de Steiner e parece-nos que hoje lhe faz justiça. Mas porque estamos aqui repassando esse dilema? O objetivo é lembrar que as escolhas, atitudes e preferências das pessoas, mesmo que muitas vezes de forma inconsciente, levam em conta razão e emoção, entrelaçadas. Que lições as gestões públicas, privadas e suas marcas podem tirar dessa tendência? Caberia um novo artigo. Outro ator que ganha importância é o “Poder Brando” ou, em outras palavras, a capacidade de um povo, instituição ou marca influenciar, comandar e liderar, disseminando a sua cultura, princípios, jeito de ser, história, coerência, etc. Razão e emoção de novo, aqui, ganham contornos decisivos. A questão é: você pode até estar certo, mas como serei envolvido nessa atmosfera? Desnecessário dizer que alguns valores universais não são um conjunto de letras e palavras para preencher placas em salas de empresas públicas ou privadas. Preservação do meio-ambiente, responsabilidade social, governança corporativa, respeito às pessoas, éticas nas práticas comerciais e trabalhistas, são a base para uma relação duradoura e sadia da instituição com a sociedade. Lucro por lucro não será mais tolerado. Não se trata de uma conversa de “ecochato”, mas uma questão de sobrevivência corporativa. Ou você diz claramente a que veio, apresente uma personalidade distinta e envolvente, prometa o que cumpre e respeite as regras de convivência universais, ou o seu vôo será de galinha. Além do lucro pelo lucro, o mundo tolera também cada vez menos abusos contra a humanidade e os seus recursos.

Podemos dar um nome a este conceito? Acredito que sim. Eu arriscaria Branding. Caminhando para as conclusões, podemos elencar que a mente humana está sobrecarregada e possui limitações para absorver e reter informações de forma simultânea. Hoje temos muito mais opções de marcas, produtos, mídias, livros, sites, blogs, autores e expressões culturais. Há excesso de propaganda e publicidade. O verdadeiro dilema é sincronizar a velocidade das inovações com a capacidade de absorvê-las pelos seres humanos. Este é um jogo perdido. Estamos sempre (e cada vez mais) atrás. Por isso, a forte suspeita de que o nosso cérebro usa uma espécie de “filtro natural” para selecionar as informações, conteúdos e propostas de acordo com as nossas necessidades, lembranças e circunstâncias, parece fazer sentido. Por outro lado, temos expectativas à cumprir no nosso trabalho, na nossa família, com os nossos amigos e, sim, à nós mesmos. O tempo é escasso. Não damos conta de tudo. Parece que estamos sempre atrasados. Assim, precisamos urgentemente de instituições e marcas que nos digam, rapidamente, porque vieram ao mundo. O que pensam? O que se propõe a fazer? Quais são os seus princípios inegociáveis? Quais são os seus diferenciais? Não temos tempo a perder. Por fim, alguém com reputação globalmente consagrada para enriquecer essas pequenas reflexões. Com a palavra, o Sr. Kofi Annan, exSecretário-Geral na ONU e Nobel da Paz em 2001, em seu discurso no Fórum das Américas no Equador em março de 2001: “Senhoras e Senhores, a tecnologia da informação conferiu à sociedade civil mais poder para se tornar a verdadeira guardiã da democracia e da governabilidade em toda parte. Os opressores não podem mais se esconder nos limites de suas fronteiras. Uma sociedade civil fortalecida, unida através de todas fronteiras com a ajuda das comunicações modernas, não lhes permitirá fazê-lo. De certo modo, a sociedade civil tornou-se a nova superpotência – pessoas determinadas a promover melhores padrões de vida numa liberdade mais ampla. Cada movimento começa em algum lugar – usualmente da ruptura. Não existem limites ao que pode ser alcançado pelas campanhas de amanhã – campanhas ainda não concebidas, para causas ainda não articuladas, defendidas por corações e mentes ainda em formação. E freqüentemente bastam aquelas mentes únicas acreditarem que suas missões são as mais importantes, e também serão provavelmente capazes de torná-las as mais bem sucedidas.”

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