ETNOGRAFIA

Dentre as técnicas de Pesquisas Qualitativas, a Etnografia emerge, sem dúvidas, como uma das mais eficazes do cardápio. A sua origem é na Antropologia e os seus primeiros estudos se resumiam à análises comportamentais de grupos mais exóticos do que a média, como tribos indígenas, etnias africanas, grupos ciganos ou habitantes de uma ilha distante. Não tardou, porém, para que ela fosse percebida também como uma importante aliada nos estudos de extratos sociais mais próximos aos abordados pelo marketing tradicional.

Em linhas gerais, o seu grande objetivo é, por meio da perícia na observação, buscar detalhes que revelem o comportamento dos clientes e consumidores em seu habitat natural. A técnica é, normalmente (e recomendável, mas não obrigatória), exercida por um antropólogo. O processo é extremamente refinado e pode transitar em várias vertentes como, por exemplo, olhares atentos nas dificuldades, atitudes, linguagem verbal e corporal, e até no tom de voz do público-alvo. Além disso, no meio de diversas possibilidades de categorizações e, dependendo do produto ou serviço, a análise pode ser baseada até nos 5 sentidos do corpo humano.

A grande vantagem deste instrumento de pesquisa de mercado é a possibilidade de penetrar no mundo social e cultural das pessoas, sem grandes amarras científicas ou acadêmicas verificadas em outras ferramentas de pesquisa e inteligência de mercado. Apenas o prazer pela busca da inspiração em si. E que leva, frequentemente, à inovação mercadológica (seja de pequeno ou grande porte) e, salvo grandes tropeços, à tão desejada lealdade à marca.

Embora a Observação Participante seja sempre uma boa opção, o melhor mesmo, neste caso, é o caminho mais difícil, ou seja, manter o anonimato nas observações, respeitando-se, claro, as questões éticas pertinentes. Assim, ganhamos ainda mais em espontaneidade, a grande figura carimbada e perseguida pelos profissionais da pesquisa de marketing. E o caminho mais difícil não pára por aí: os estudos etnográficos costumam levar mais tempo de serem realizados do que um questionário tradicional de pesquisa quantitativa, focus group ou entrevista em profundidade.

Ainda sobre o tempo de realização de uma pesquisa etnográfica, o honesto mesmo é afirmar que não há um prazo específico para a sua conclusão. Os primeiros bons insights costumam demorar, em média, pra lá de três ou quatro semanas. Isso, veja bem, na média. Pode ser menos ou muito mais do que isso. A paciência e uma certa imprevisibilidade são inerentes à Etnografia. Mas os resultados podem compensar muito. O fato é que, em última instância, quanto mais ouvir, ver, perceber e/ou conversar com o “povo” – trabalhando, inclusive, a co-criação – maiores são as chances de captar algo realmente relevante e que irá contribuir para o reposicionamento de uma marca ou para a construção de um produto ou serviço de sucesso no futuro.

Ao citar “Os idiotas da objetividade” ou “Os números dizem pouco”, Nelson Rodrigues atirava num alvo e, sem saber, acertava em muitos outros. É injusto insinuar a aplicação dessas frases do saudoso jornalista brasileiro às pesquisas quantitativas, até porque elas podem complementar ou servir de ponto de partida para as pesquisas qualitativas. Além disso, os números fornecem a temperatura do fenômeno, um bem muito valioso. Não são, assim, excludentes, mas conversam entre si. Porém, é irresistível associá-las à essência da Etnografia ao ir muito além das aparências.

Portanto, da próxima vez que você for tomar uma cerveja no pub mais próximo, cuidado: você pode estar sendo observado por algum antropólogo do outro lado do balcão. Mas, por ora, com a palavra Anne Kirah, uma incansável caçadora de inspirações numa toada mais simples e óbvia do que muitos ditos entendidos de gabinete gostariam, puramente convivendo com as pessoas.

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